Fagner - A Mesma Pessoa - 1984
1- Cartaz (Francisco Casaverde e Fausto Nilo)
2- Sinal de Estrela (Petrúcio Maia e Bigha)
3- Um Grande Amor (Vinícius Cantuária)
4- A Mesma Pessoa (Fagner e Fausto Nilo
5- Bola de Cristal (Fagner e Fausto Nilo
6- Só Você (Vinícius Cantuária)
7- Sonho de Arte (Fagner e Brandão)
8- Tiro Certeiro (Clodo e Climério)
9- Me Leve-Cantiga Pra Não Morrer) (Fagner e Ferreira Gullar)
Para Raimundo Fagner o ano de 1984 começou no mês de junho. O andarilho foi procurar outras terras, outros sons e aportou em Londres para as gravações do décimo segundo elepê solo: ‘‘A MESMA PESSOA’’. Produzido em parceria com Joni Galvão, Fagner conseguiu juntar os melhores instrumentistas brasileiros e ingleses e o resultado foi a perfeita união de tecnologias modernas com a emoção e a alegria da música brasileira, transformando o álbum numa verdadeira alquimia de sons: rock, merengue, balada, e outras coisas mais. No disco, gravado entre os estúdios do Rio de Janeiro (Sigla 1) e de Londres (Livingston Studios, Sound Suite e Studio CBS) estão os músicos Reinaldo Arias, Manassés, Bill Livser, Wagner Tiso, Ricardo Silveira, Paul Spong, Jorjão, Simon Gardner, Laudir de Oliveira, Ariovaldo, Márcio Montarroyos, James Talbot, Mitch Dalton, Fernando Souza, Neil Wilkinson, Jamil Joanes, Perinho Santana, Andy Pask, Luis Jardim, Picolé, Théo Lima, Chico Batera, Chris White, David Bishop, Marianne Morgan e Tessa Nilles. As cordas ficaram com Isobel Griffiths - The General Booking Company, regidas por Gavin Wright.
O álbum ‘‘A MESMA PESSOA’’ (CBS, No. 138.266), lançado no final de setembro de 1984, tem apenas nove músicas: Tiro Certeiro, de Clodo e Climério; Só Você e Um Grande Amor, ambas de Vinícius Cantuária; Sinal de Estrela, de Petrúcio Maia e Bigha; Cartaz, de Francisco Casaverde e Fausto Nilo); e as parcerias de Fagner com Fausto Nilo (Bola de Cristal e A Mesma Pessoa), com Ferreira Gullar (Me Leve-Cantiga Pra Não Morrer), e com Brandão (Sonho de Arte).
''Enquanto em 'HOMENAGEM A PICASSO', houve uma fusão das tradições ibérica e nordestinas, ou mesmo no ‘‘SORO’’ (também um trabalho em grupo), e no próprio 'TRADUZIR-SE', que virou esta festa também, se cria realmente menos compromisso e a coisa fica mais fácil de fazer, a gente curte mais. No disco novo, que é mais moderno, existe também mais tensão, que é o trabalho principal; apesar de ter havido um clima de descontração nos estúdios durante o trabalho, não deixa de ser mais tenso.
O outro, 'A PICASSO', é muito mais desafio do que esse, por incrível que pareça, porque é um disco que você faz sem compromisso mas não existe nada sem compromisso. Então você até acaba esperando mais. Já o disco anual, com esta busca em termos de sonoridade, misturar sons, estúdios, músicos, a coisa do Brasil com a lá de fora, é uma coisa muito fascinante. Procurar me superar, romper uma série de coisas, isto realmente faz muito a minha cabeça... porque nunca pode ser uma repetição...
A música é maravilhosa, mas o mundo do disco, a máquina musical, é muito desgastante. A necessidade de renovação é muito grande, não é nem de ano pra ano, mas de seis em seis meses. Então hoje em dia não é só você ser cantor, criador, fazer músicas, são muitas outras coisas, é um preço muito alto, muito caro, chega uma hora que ninguém quer mais. Hoje a música é muito diferente de quando eu comecei a sonhar em fazer música... Então o meu nível de relação com ela é enquanto ela tem o que me dizer, enquanto eu tenho desafio. Eu questiono tudo o que faço: enquanto ela estiver nessa coisa da busca, eu vou estar junto; na hora em que não estiver, eu não vou estar mais, porque não vai mais haver prazer. Música é prazer. Isso pra mim é o que vale.
Eu sempre procuro fazer um trabalho novo... não sei até quando, mas vou atrás e sempre tenho sorte em achar as pessoas certas para este tipo de trabalho. Acho que, nestes últimos anos, tenho tido a felicidade de em todos esses trabalhos ter contado com uma equipe que sempre anda junto. Amam aquilo que fazem e dão tudo de si. Eu até dediquei o disco a essas pessoas que trabalharam comigo, desde 'TRADUZIR-SE'...
Eu realmente tinha uma expectativa quanto ao som que se faz em Londres, uma coisa mais simples, mais direta... E, desde que fiz o disco nos Estados Unidos, de certa forma, me senti um pouco frustrado. Talvez seja até cobrança demais, porque foi o primeiro disco lá, mas poderia ser de uma forma diferente. Então, ficou esta vontade, e a pessoa que me deu o toque mais concreto com relação a isso foi o Tomás (Muñoz). Ele viu aquela minha experiência na Espanha e tinha a certeza de que eu faria a mesma coisa em Londres. Então isso também foi uma coisa dele. Eu procurei dar essa mistura, algumas coisas feitas aqui, com músicos brasileiros, e outras lá em Londres. Enquanto o outro foi feito todo lá, levei as pessoas e fiz tudo direto. Para o novo disco, fizemos 9 bases aqui e 5 em Londres. Foi um trabalho praticamente meio a meio, isso nas bases, já que lá colocamos os sopros, as cordas e alguns teclados especiais... mudamos várias freqüências e alguns instrumentos que realmente não estavam combinando. Algumas músicas gravadas acabaram não entrando no disco. E isto é uma coisa muito triste, inexplicável de saber porque uma música não entra; às vezes ela está sensacional, mas não entra no espírito da maioria. Sobraram umas quatro, inclusive uma que gravei em Londres, que já vem sobrando há três discos e acho que é uma das melhores músicas. Mas não entrou na atmosfera apesar de, em termos de som, ser das melhores. Chama-se A Peneira da Mistura, é minha e do Brandão. O repertório do disco já foi escolhido em função desta produção em Londres. Eu já sabia que tinha que ser mais leve, direto, dançável, tinha que ser mais 'econômica' a concepção. Aproveitar a garra dos músicos, a tecnologia. O trabalho em si é o mesmo, mas, por dentro, ele está dividido em vários tipos de energia, onde todos estão verdadeiramente integrados.
O meu trabalho com Joni Galvão foi muito importante. A parte, do Brasil eu fiz toda, mas em Londres ele foi muito importante... pelos contatos, pelo músico que ele é, e isto foi decisivo durante o trabalho, porque ele também escreve e soube trabalhar bem as músicas. Ele foi um elo importantíssimo para todo o trabalho. O técnico daqui, o Edu, foi muito cuidadoso, no sentido de que ele preparou o trabalho já dando 'colher' para o que iria continuar. Aqui, a produção foi minha, apenas mostrei o que tinha sido feito para o Joni e aí fomos estudando música por música o que tinha que ser feito. O técnico de lá, Steve Taylor, esse pra mim foi genial... pois, além disso, é músico, arranjador, etc. É incrível. Ele captou o trabalho e deu muito, porque o som que ele tirou das músicas realmente surpreendeu a todo mundo. Aqui, no Brasil, fui eu que fiz a escolha dos músicos; os maestros, e os tecladistas Reinaldo Arias e Wagner Tiso também deram alguns nomes. Lá em Londres foram o Joni e o Steve Taylor mesmo.
Pela primeira vez na minha vida, eu regi uma orquestra de cordas, foi uma sensação emocionante... Isso aconteceu porque o regente teve que atender um telefonema e, lá, inglês não espera por ninguém; então o chefe das cordas olhou pra mim e perguntou se eu queria reger... Eles já tinham o andamento mas faltava alguém pra passar a energia, a pulsação, e foi emocionante. Aconteceu na faixa Sinal de Estrela, com as cordas da Filarmônica de Londres tocando música nordestina. O clima em Londres foi incrível, o americano é meio superficial, já o inglês participa mais, chega junto, vibra com aquilo. Isso foi a coisa principal, o respeito pelo trabalho.
A partir do momento em que me proponho a fazer essa mexida de instrumentos, me sinto supergratificado neste disco, muito mais do que nos outros, por ter misturado dentro do mesmo ingrediente várias concepções, várias energias, a brasileira, a do inglês, tem americano no meio, tem latino. Tenho plena consciência de que essa mistura é saudável. Não me interessa o que os críticos vão achar. Sei que essa mistura se resolveu muito melhor do que quando fiz o disco nos EUA, só com o pessoal de lá. Então assumo plenamente, inclusive de todos gostarem. Foi feito pra valer. Eu acho que temos que ter consciência clara de que precisamos evoluir. Temos que ter essa consciência na vida, e principalmente no Brasil atual. Então a evolução na música é uma necessidade maior do que tudo. Porque um disco é tocado em Londres, em Nova Iorque, no interior do Ceará, essa coisa tem que ser comum a todos os ouvidos.
A receptividade da minha música em Londres foi muito boa. O Joni Galvão, que trabalha há oito anos produzindo em Londres, conhecia essa turma toda. Mas, realmente, a empolgação foi incrível, inclusive da própria CBS inglesa. As pessoas iam no estúdio... eles falavam que essa música nem precisava cantar em inglês... que este era o som que estavam fazendo lá... Se apaixonaram muito, principalmente por A Mesma Pessoa e por Cartaz, um som novo, moderno, que eles queriam que fosse cantada por eles; de repente eles fazem, por um Boy George deles lá... (risos). Foi um clima ótimo, os músicos pediam fitas para levar para casa, voltavam ao estúdio para acompanhar as gravações. O interesse não deixou de ser uma coisa importante durante a realização do trabalho, porque, no fundo, ninguém tem tempo para voltar ao estúdio.
O meu disco tem muitos detalhes, como por exemplo em Cartaz, que tem rock e reggae. Esse rock é muito forro; acho que o rock é um forro ao contrário... a pulsação é a mesma, agora, um bate num lugar e outro num outro. E Cartaz tem isso; é muito também o carimbó, o merengue e o baião. Se essa música tivesse sido gravada só como reggae não seria legal. Ela é reggae na intenção, no embalo, mas não tem a marcação do reggae.
O rock é uma coisa que sempre esteve presente na minha carreira. Os guitarristas sempre estiveram na minha vida, a guitarra... primeiro com o Lulu Santos, que tocou no 'AVE NOTURNA', e continuou com o Robertinho, o Manassés e agora tem mais um guitarrista, o Ricardo Silveira, que além de participar do disco, vai cair na estrada com a gente.
Primeiro o rock entrava como detalhe, eu podia muito bem sair de umas cordas e entrar numa guitarra... Agora não, está claro: as coisas que vêm num outro sentido vêm a mais. Como rock ela está mais íntegra, a gente já está gravando como rock, e antes não, podia ser uma balada, usava elementos diferentes, não estava muito preocupado. Hoje há essa preocupação de fazer bem feito. Pra valer. As músicas Cartaz, Só Você, Tiro Certeiro e Bola de Cristal, por exemplo, estariam mais nessa concepção.''
Em outubro de 1984, precisamente no dia 17, Raimundo Fagner estreou o show ''A MESMA PESSOA'', na casa de espetáculos Palace, em São Paulo, depois de quatro anos afastado dos palcos - seu último show foi o ''QUEM VIVER CHORARÁ'', no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Embora tenha garantido mais um Disco de Ouro pela vendagem de 150 mil exemplares do álbum que leva o nome do show, o mercado brasileiro vivia mais uma grande crise, o que não coibiu o artista de realizar um belíssimo espetáculo. Na época, em entrevista ao jornal ''O Globo'', Fagner justificou a estréia do show: ''Não é por que o momento está ruim que eu vou fazer um disco/show ruim. Eu não tenho nada a ver com isso. Quero que o meu disco venda um milhão de cópias e não vou ficar me reprimindo porque o mercado está em baixa. O artista tem que procurar ampliar seus limites e exigir isso. Eu exijo colocando um bom trabalho e entrando com participação total sem discutir, senão acabam me nivelando por baixo. Bati recordes em shows em todo o País e não posso subir num palco para fazer qualquer coisa, seria então melhor ficar no Ceará pescando. Trabalhar com mentalidade brasileira não é o meu forte, por isso quis um espetáculo superproduzido, uma concepção moderna com uma superbanda.''
O show teve roteiro de Fagner e Fausto Nilo; cenário do também cearense Leonilson e o acompanhamento dos músicos Reinaldo Arias, Luizinho Avelar, Fernando Souza, Ricardo Silveira, Manassés, Paulinho Braga, Chico Batera, Don Harris, Ricardo Pontes.
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